Entre o campo e a ciência, mulheres do agro enfrentam jornadas intensas, múltiplas responsabilidade e desafios invisíveis que afetam sua saúde mental — mostrando que cuidar da mente é tão essencial quanto cultivar a terra e os animais.
A vida no agro é intensa. Quem está no campo sabe: o dia começa cedo e termina tarde, entre tarefas agrícolas, responsabilidades com a família e, muitas vezes, decisões de gestão que não podem esperar. Mas esse retrato não é só das mulheres que trabalham diretamente na produção rural. É também de agrônomas, veterinárias, zootecnistas e tantas outras profissionais que fazem o agro acontecer. Todas carregam nas costas não apenas jornadas longas, mas também uma carga emocional que, muitas vezes, passa despercebida.
Entre médicas veterinárias e zootecnistas, por exemplo, estudos apontam que profissionais que atuam no agronegócio e em áreas técnicas enfrentam longas jornadas, pressão constante e risco elevado de burnout, refletindo em maior vulnerabilidade ao adoecimento emocional.
E, no entanto, sabemos como é difícil falar sobre isso. O estigma ainda pesa, e a rotina apertada não dá trégua. É como se houvesse sempre algo mais urgente a fazer: uma fazenda para visitar, uma lavoura para cuidar, uma filho para levar para a escola, uma planilha para atualizar. Só que ignorar a saúde mental tem um custo silencioso — e esse preço é alto demais para continuarmos naturalizando.
E não é apenas a sobrecarga de responsabilidades que impacta a saúde mental das mulheres no agro. O ambiente de trabalho, muitas vezes, também exerce influência. Uma pesquisa da AgTech Garage (PwC), com participantes de diversas áreas do agronegócio, revelou que 9 em cada 10 mulheres já enfrentaram situações de machismo ou constrangimento no trabalho. Entre as práticas reportadas estão interrupções frequentes (manterrupting, 53,7%), falta de representação em reuniões (50,4%), explicações de temas óbvios por homens mesmo quando são especialistas (mansplaining, 47,5%) e apropriação de ideias (bropriating, 37,7%).
Esse tipo de cenário não apenas mina a autoconfiança, mas também aumenta os níveis de estresse e ansiedade, contribuindo para o agravamento de problemas emocionais e de saúde mental.
A boa notícia é que existem caminhos. Muitas mulheres do agro têm encontrado força em eventos, grupos, associações e redes de apoio. Nessas rodas de conversa, surgem desabafos, trocas de experiência, dicas de manejo, gestos de sororidade e, principalmente, a sensação de que não estamos sozinhas. Esse apoio coletivo é um alívio para a mente e também um combustível para seguir em frente.
Mas não dá para colocar tudo apenas nas costas individuais. É urgente que políticas públicas e entidades ligadas ao agro olhem com atenção para esse tema. Precisamos de programas de saúde mental adaptados à realidade rural, de serviços mais acessíveis, de iniciativas que reconheçam que o cuidado emocional é tão estratégico para o agro quanto qualquer inovação tecnológica. Afinal, sem gente saudável, não há futuro possível para o setor.
Cuidar da mente é cuidar da terra, dos animais, da família e do futuro. É reconhecer que a força feminina no agro vai muito além da capacidade de trabalhar duro. É também sobre saber pausar, pedir ajuda, compartilhar e encontrar equilíbrio. Porque as mulheres do agro são muitas — produtoras, técnicas, gestoras, pesquisadoras — e todas merecem prosperar com saúde, corpo e mente alinhados.
Alessandra Decicino, mentora, palestrante e especialista em agronegócio, gestão e pessoas no agro.
Fontes consultadas
AGTECH GARAGE (PwC). Pesquisa “Mulheres que inovam o Agro 2023”. 2023. Relatório com dados sobre machismo e constrangimentos no ambiente de trabalho feminino no agronegócio. Acesso em: 25 ago. 2025.
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Engenheira Agrônoma pela UFG
Especialista em Gestão em Agronegócio pela UFLA
Expertise de mais de 2o anos no setor do Agronegócio